CIENTÍFICO

O "EU E O SER” EM TRANSFORMAÇÃO OU MUTAÇÃO.


Para "treinar", educar ou reeducar crianças, jovens e adultos, antes de tudo, penso que é necessário saber "QUEM" é, ou "OQUE É" o individuo, ou conhecer profundamente este que chamamos de "ser humano", o que implica a necessidade anterior de um profundo "AUTOCONHECIMENTO" por parte do educador ou instrutor.

Faço uma distinção entre o EU, a IDENTIDADE, o personagem e o SER, que coabitam o humano, com a intenção de atingir o alvo correto e assim promover ou facultar as mudanças pretendidas. As ciências humanas usadas para educar ou transformar o humano, não questionam esta entidade humana. Partem do princípio que este ser esta pronto, acabado e é inquestionável, portanto não faz parte da equação humana que se pretende resolver.

Vejamos então o que diz a neurociência, sobre “O QUE” SOMOS, pois “QUEM” SOMOS (o EU), me parece, está mais perto de ser literatura, que realidade.

A Professora VASU REDDY da UNIVERSIDADE PORTSMOUTH é uma das pioneiras no que é conhecido como “experiência do espelho”, onde é demonstrado que somente entre 14 e 18 meses de idade, as crianças começam a adquirir a autoconsciência, ou “EU” humano, um “comportamento aprendido”. Coloca um pequeno colante no rosto da criança, sem que ela perceba e a seguir a coloca diante de um espelho. Olhando para o reflexo, somente então a criança percebe o colante em seu rosto e o retira. Antes desta idade as crianças não se identificam no espelho.


O Dr. Stephen Gentleman do Imperial College London, pesquisando entre as 100 bilhões de células nervosas do cérebro, classifica que a autoconsciência habita principalmente no Córtex, camada superficial, de apenas 1 milimetro de espessura, que se desenvolveu por último na evolução da espécie e que envolve quase a totalidade das duas porções cerebrais que se formaram antes.

O córtex retem a memória de longo prazo. A memória do “quem” somos. Mas esta memória é mecânica, linear, uma “reação” controlada racionalmente, algo diferente de uma “ação” espontânea, como um insight ou percepção de um fato, que é atemporal e perpassa o organismo todo.



Dr. Henrik Ehrsson do Instituto Karolinska realiza experiências com câmeras de vídeo e óculos visores. Em uma destas experiências, é colocado no paciente um par de visores (telas monitores) no formato de um óculos, ocupando todo seu campo visual. Conectados à estes visores estão duas câmeras, fazendo o papel de olhos do paciente, que colocadas atrás do mesmo, dão a pessoa a sensação de estar fora do corpo físico, atrás do próprio corpo. As ações que o médico executa atrás do paciente são sentidas por ele como que a sua frente. Num outro interessante experimento o Dr. Henrik, coloca em sua cabeça o dispositivo com as câmeras, se posta a frente do paciente, estende a mão e o cumprimenta. O paciente relata a sensação de ser ele, cumprimentando a si próprio. O experimento demonstra que o cérebro está constantemente tentando responder a si mesmo, quem é e onde está. Quando o seu campo de visão se desloca para longe da posição de seus olhos, a autoconsciência se desloca junto, criando a sensação da mesma estar separada do corpo, demonstrando o quanto esta auto-visão é ilusória, ou construída de acordo com o que é conveniente para o cérebro.


Prof. Dr. John Dylan Haynes do Bernstein Center for Computational Neuroscience, realiza experimentos para definir “quem” está no comando, a autoconsciência ou a massa cinzenta biológica, sobre a qual a primeira não tem o menor controle. O experimento que realiza é bastante simples. Coloca o paciente em um scanner de RM, onde ele, após alguma análise, deve realizar escolhas simples entre duas opções, clicando botões em um dispositivo. O scanner identifica um padrão de atividade cerebral, apontando para a área do cérebro que se ilumina quando as decisões são tomadas, indicando com clareza qual área corresponde a uma ou outra decisão. A espantosa descoberta confirma reiteradamente, em diversos pacientes, que tais áreas cerebrais se iluminam, 6 (seis) segundos antes do botão do dispositivo ser acionado, por um comando autoconsciente do paciente. Ou seja, 6 segundos antes da decisão autoconsciente do paciente ser tomada, é possível prever qual será. Se depreende que a autoconsciência, que deflagra o acionamento dos botões, na verdade não fez nenhuma escolha (LIVRE ARBÍTREO???). A decisão que “pareceu autoconsciente”, na verdade é secundária e apenas uma resposta moldada pela decisão que foi tomada antes, inconscientemente, ocorrendo em um tempo muito tardio depois da decisão. A autoconsciência é um aspecto da atividade cerebral, em harmonia com crenças e desejos do indivíduo. Os pensamentos são o resultado exposto, decodificado, à consciência, sobre as atividades neuronais que o cérebro & talvez o organismo todo, andam ruminando em porões do inconscientes.


O cérebro é tal qual uma caixa-preta, fechado no escuro que processa informações decodificadas dos sentidos. Realidade, não é o que é por ele decodificado e interpretado e sim uma simulação da realidade. Enxergamos, não com os olhos, mas com o cérebro. Os olhos são como lentes, que captam a imagem e a projetam no fundo do cérebro através do nervo ótico e tal qual a câmera fotográfica analógica, a imagem é projetada na retina de cabeça para baixo. O cérebro se encarrega de reinverter a imagem, fazendo que chegue à autoconsciência parecendo normal.

No cérebro normal, que consegue processar as visões captadas pelos olhos, as imagens chegam primeiramente como fotografias estáticas. Só então ele se encarrega de ordená-las e dispará-las em sequência rápida, dando a ilusão de movimento, tal qual na projeção de um filme. O mesmo processo subsidia a ilusão de TEMPO. Pessoas com danos cerebrais na região que processa este movimento, vêm cada fotografia em separado. Nossa visão periférica é bem pobre. Vemos apenas um pequeno foco central, de cerca de uma polegada, à distância de um braço estendido. Quanto ao restante, a 360 graus, somos praticamente cegos. Porem o cérebro processa toda a visão, colando imagens memorizadas no cenário-alvo, compondo um mosaico para formar um grande fotograma, dando a impressão que temos uma visão panorâmica do ambiente. Se não o fizesse, veríamos o pequeno ponto central com foco e a quase totalidade do campo visual, do desfocado para o escuro.



O cérebro funciona 90% do tempo no piloto automático. O foco da atenção é tão reduzido que pode ser facilmente enganado, como nos espetáculos com ilusionistas. Escovando os dentes, dirigindo numa estrada, lavando louças, descendo escadas, praticando esportes, etc, o cérebro automático cuida das rotinas do dia a dia, executa as tarefas automaticamente sem incomodar a autoconsciência, quando ela, está com a atenção focada apenas em um assunto por vez, enquanto o subconsciente, registra tudo e pode processar simultaneamente, duzentas mil vezes mais dados que a mente autoconsciente.



O Dr. Gerhard Roth, neurocientista da Universidade de Bremen, desbanca a crença da nossa autoconsciência, que pensa dominar o mundo. Na verdade, diz ele, “vivemos no passado”, não “em tempo real”, como cremos, já que o que percebemos na autoconsciência já ocorreu ha pelo menos 1/3 de segundo, tempo que leva para a informação sensorial percorrer todo cérebro e chegar à tona na autoconsciência. Mas o cérebro esconde este atraso da própria autoconsciência, fazendo acreditar que o que estamos vendo está acontecendo agora.

Dr. Gerhard descreve detalhadamente este processo de retardo: Quando olhamos para uma coisa, um feixe de raio de luz passa pela nossa pupila e atinge a retina dos nossos olhos (imagem invertida). O dados são criptografados na forma de milhões de impulsos nervosos, que correm através do nervo ótico. 50 mile-segundos depois eles atingem as células nervosas do tálamo. Em caso de emergência, o tálamo transmite a imagem, não só para o córtex visual, na parte de traz da nossa cabeça, mas simultaneamente para a amídala, o botão do pânico na cabeça. Imediatamente ele nos prepara e após 150 mile segundos, entramos em ação sem saber por que. Em seguida módulos inconscientes desmontam a imagem em componentes. Neurônios especiais analisam cores, contrastes, contornos e enviam seus resultados, através das bases de dados das nossas experiências passadas, indo do córtex visual, na parte de traz de nossa cabeça, para o lobo frontal, percorrendo todo o cérebro em um flash, remontando todos os pedacinhos em uma imagem significativa e retransmitindo-os de volta ao córtex visual. A partir deste momento podemos conscientemente ver a imagem, pre-avaliada e projetada, 300 mile segundos decorridos. Isto no caso de emergência. Algum atraso é acrescido a este tempo, quando os requisitos para a visão autoconsciente são normais, podendo chegar até a ½ segundo de atraso.





Diante destes fatos científicos cabe uma reflexão aprofundada sobre nossa realidade interna e suas implicações, que possa indicar caminhos seguros que levem a uma visão crítica, clara, lúcida e permanente da realidade, em substituição a este "NATURAL" auto-engano do cérebro. É possível constatar que os fatos são:

A autoconsciência é na verdade o mecanismo de autocensura do cérebro, que serve sempre, de maneiras mais dissimuladas e imperceptíveis, segundo nossos valores culturais, para autopreservação e da espécie, portanto ao social, nunca à vontade do próprio indivíduo, posto que a essência de sua atuação é sempre a negação ou "CONTROLE" deste indivíduo, através de bloqueios, confusões, impedimentos, na tentativa de dominar o organismo, o que desfavorece a espontaneidade e um verdadeiro amor próprio e aos semelhantes, posto que tais atitudes instintivas são cegas e desconhecem na verdade tais valores ou conceitos, ou ainda a VISÃO REAL, ou o SER por trás destas escolhas conscientes.

Esta nossa autoconsciência, que como vimos acima é um engodo do cérebro para nos entreter, enquanto o organismo realiza seus próprios interesses ocultos em níveis profundos do nosso inconsciente, é oque entendemos por EU, nossa IDENTIDADE, que juramos ser real e o centro de comando do nosso universo. Entretanto este EU, ou autoconsciência, não passa de um "pau mandado", o piloto autômato, tal qual um "software operacional de algo que se assemelha a um ROBÔ ORGÂNICO.

Então quando pensamos em treinamento, educação ou reeducação e nos dirigimos à esta porção superficial do ser, o EU, na verdade estamos lutando contra um condicionamento pessoal e social, que foi cultivado durante toda existência desta criatura e desce a níveis profundos do inconsciente do indivíduo e que na verdade é INALTERÁVEL, posto que é a própria identidade do sujeito, IMAGEM à qual o organismo se agarra com "unhas e dentes", pois é sua "casca" protetora, sem a qual se exporá, o que provoca grande desconforto.

Por causa deste engano nossa cultura é toda assentada sobre a ideia de "Força de Vontade"! Na verdade um “esforço” descomunal, por parte da autoconsciência, é necessário para lutar e dominar quem é na verdade seu verdadeiro dono e real comandante, o poderoso organismo inconsciente.

Esta racionalidade crítica do EU que insiste em controlar o que não entende, desenvolve apenas a metade esquerda do cérebro (no caso de destros) e o lado direito, é o que tem soluções criativas para nossos problemas. Quanto maior fosse o desempenho neste aspecto, supostamente, deveríamos ser mais bem sucedidos em tudo que anda nos trilhos da formalidade, socialmente, no trabalho, com o dinheiro, etc. Supostamente, pois fato é que sucesso é sinônimo de criatividade e inteligência e não de “força-extra”. As instituições sociais intensificam esta falha pregando um código moral, uma receita que na verdade só joga confete na nossa autoconsciência, uma tentativa pífia de suprir nossa “incompletude”, endêmica e intransponível, o que só leva a mais debilidade (débito), visto que só reforça a auto-imagem e nos distancia da “auto-realidade”. Este sempre incompleto quadro pintado pelo cérebro, só nos faz sentir impotentes, inferiores, apavorados ante o desafio da vida, por que uma pintura não pode apreender e responder ao fato mutante da realidade.

Assim o cérebro, representado por seu EU, tentando se locupletar, acumula "volumes", que trazem a falsa ilusão de poder, como deuses, dinheiro, conhecimentos, títulos, etc., representados mentalmente na forma de ideias, crenças e valores, símbolos virtuais de uma realidade que não apreende, se fixam em sua memória, aumentando constantemente o tamanho de sua “autoimagem". Torna-se rígido em seu medo, cada vez mais personifica a “autoridade”, aquela que “segue” os desígnios determinados por outros e menos o “autor” de si mesmo, da sua vida.

Assim, se quisermos EMPODERAR o SER humano, algo melhor e mais poderoso que treinamento, educação ou reeducação, devemos fortalecê-lo, para fortalecer a organização onde atua. Temos que, em vez de reforçar e tentar RECONDICIONAR o personagem, o EU, como querem algumas filosofias voltadas para o desenvolvimento humano, DESCONDICIONAR o SER, ou livrá-lo das amarras enganosas do EU. Temos que ajudar o cérebro deste indivíduo a distinguir suas falácias e entregar à sua INTELIGÊNCIA a direção de seus desígnios. Temos que ajudar sua inteligência a distinguir-se do falso EU.

Como?

O EU é o resultado de um condicionamento que todo indivíduo sofre, durante toda a vida, apara ajustar-se socialmente. Portanto é ILÓGICO, se pauta no contra-senso, na contradição, no conflito de valores e crenças que se originam pela imposição de força, pelo medo. Assim o cérebro tenta acumular fórmulas que permitam que menos sofra e mais goze de prazeres, o que lhe proporciona uma falsa e frágil sensação de segurança psicológica. Então cada vez mais tenta se estabelecer numa zona de conforto onde se sinta o menos molestado possível. Mas a existência é infeliz, porque nenhum fórmula explica a vida, versátil ágil, em perene mutação. Este cérebro acomodado NÃO É COMPETITIVO nesta corrida da vida.

A única alternativa para desbaratar este emaranhado é colocar o indivíduo ante o espelho, onde fique visível a ele mesmo suas contradições. O próprio organismo exige, impõe coerência em suas interações e ele mesmo se encarrega de corrigir distorções insalubres. Isto fará que opere MUTAÇÕES em seus neurônios, colocando-o na rota natural da felicidade, ou melhor, da plenitude da vida que compreende dar a si mesmo o que quer e precisa, bem como favorecer aos seus iguais a mesma sorte. Inegavelmente a organização a qual pertence passa a lucrar muito mais e com segurança, se consegue oferecer tal benefício aos seus colaboradores.

A melhor forma de colocar o indivíduo numa dinâmica que conduza a tais resultados é utilizar como ferramenta a ARTE.

Porque?

O que se pretende é ultrapassar os limites do pensamento e atingir o SER. O pensamento é a expressão do organismo condicionado. O EU é um pensamento, dentre infinitos outros, que assume o papel de centro, de chefe, de controlador, mas não passa de um pensamento, como qualquer outro. É portanto uma máscara, porque na verdade não comanda nada, é absolutamente impotente, como é toda autoconsciência. Todo conhecimento humano se armazena na forma de pensamento, uma construção artificial cujo tijolo é a palavra. A palavra não é o fato, mas a memória do fato, armazenada na forma de passado, dando origem a impressão de TEMPO. Como pretendemos nos apoiar em FATOS científicos, que sejam inegáveis à logica, que pretendemos postar frente ao indivíduo, para que se autocorrija, temos que escolher uma simbologia que remeta ao REAL, ao AQUI e AGORA. Só é possível agir AQUI e AGORA. Só assim, no presente, conseguiremos conduzir o indivíduo a uma percepção de seus auto-aprisionamentos.

Nada melhor então que a arte, para fazer o papel de espelho neste processo. A Arte é algo que só retrata, ou melhor flagra o momento presente. A arte é atemporal. A visão da arte é de um todo presente num momento. A visão do pensamento é fragmentada e a do SER é total. Então a arte se comunica diretamente com o SER INTELIGENTE (vide matéria sobre arte neste blog, DIFERENÇAS ENTRE ARTE E CULTURA).

Além de ser agradável e lúdica, a arte conduz o indivíduo a autopercepção, sem traumatismos, de maneira leve e suave, não exigindo grandes esforços para que ele saia de sua zona de conforto.

Um incontável número de dinâmicas e processos podem ser criados e utilizados nesta "TERAPIA CULTURAL".

Porém e evidentemente, todo processo de libertação só se dá pelo EXEMPLO. Não posso propor uma experimentação a alguém, sem que ela me tenha transformado antes. Só posso puxar um indivíduo para onde não já esteja. Talvez esta seja na verdade a ÚNICA E VERDADEIRA LIDERANÇA POSSÍVEL, A DO EXEMPLO.



Obs,: Videografia extraída do documentário da BBC " O VOCÊ SECRETO.

Nenhum comentário:

Postar um comentário